 Doravante mesmo os cegos podem ver e compreender o que está a acontecer na Líbia:
Doravante mesmo os cegos podem ver e compreender o que está a acontecer na Líbia:1. O que se passa é uma guerra promovida  e desencadeada pela OTAN. Esta verdade acaba por se revelar até mesmo  nos órgãos de "informação" burgueses. No La Stampa de 25 de Agosto, Lucia Annunziata escreve: é uma guerra "inteiramente externa, ou seja, feita pelas forças da OTAN"; foi "o sistema ocidental que promoveu a guerra contra Kadafi". Uma peça do International Herald Tribune de  24 de Agosto mostra-nos "rebeldes" que se regozijam, mas eles estão  comodamente instalados num avião que traz o emblema da OTAN.
2. Trata-se de uma guerra preparada desde há muito tempo. O Sunday Mirror de  20 de Março revelou que "três semanas" antes da resolução da ONU já  estavam em ação na Líbia "centenas" de soldados britânicos, enquadrados  num dos corpos militares mais refinados e mais temidos do mundo (SAS).  Revelações ou admissões análogas podem ser lidas no International Herald Tribune de  31 de Março, a propósito da presença de "pequenos grupos da CIA" e de  uma "ampla força ocidental a actuar na sombra", sempre "antes do  desencadeamento das hostilidades a 19 de Março".
3. Esta guerra nada tem a ver com a  protecção dos direitos humanos. No artigo já citado, Lucia Annunziata  observa com angústia: "A OTAN que alcançou a vitória não é a mesma  entidade que lançou a guerra". Nesse intervalo de tempo, o Ocidente  enfraqueceu-se gravemente com a crise económica; conseguirá ele manter o  controle de um continente que, cada vez mais frequentemente, percebe o  apelo das "nações não ocidentais" e em particular da China? Igualmente,  este mesmo diário que apresenta o artigo de Annunziata, La Stampa, em  26 de Agosto publica uma manchete a toda a largura da página: "Nova  Líbia, desafio Itália-França". Para aqueles que ainda não tivessem  compreendido de que tipo de desafio se trata, o editorial de Paolo  Paroni (Duelo finalmente de negócios) esclarece: depois do início da  operação bélica, caracterizada pelo frenético ativismo de Sarkozy,  "compreendeu-se subitamente que a guerra contra o coronel ia  transformar-se num conflito de outro tipo:   guerra económica, com um  novo adversário:   a Itália obviamente".
4. Desejada por motivos abjectos, a  guerra é conduzida de modo criminoso. Limito-me apenas a alguns  pormenores tomados de um diário acima de qualquer suspeita. O International Herald Tribune de  26 de Agosto, num artigo de K. Fahim e R. Gladstone, relata: "Num  acampamento no centro de Tripoli foram encontrados os corpos crivados de  balas de mais de 30 combatente pró Kadafi. Pelo menos dois deles  estavam atados com algemas de plástico e isto permite pensar que  sofreram uma execução. Dentre estes mortos, cinco foram encontrados num  hospital de campo; um estava numa ambulância, estendido numa maca e  amarrado por um cinturão e tendo ainda uma transfusão intravenosa no  braço".
5. Bárbara como todas as guerras  coloniais, a guerra actual contra a Líbia demonstra como o imperialismo  se torna cada vez mais bárbaro. No passado, foram inumeráveis as  tentativas da CIA de assassinar Fidel Castro, mas estas tentativas eram  efectuadas em segredo, com um sentimento de que se não é por vergonha é  pelo menos de temer possíveis reacções da opinião pública internacional.  Hoje, em contrapartida, assassinar Kadafi ou outros chefes de Estado  não apreciados no Ocidente é um direito abertamente proclamado. O Corriere della Sera de  26 de Agosto de 2011 titula triunfalmente: "Caça a Kadafi e seus  filhos, casa por casa". Enquanto escrevo, os Tornado britânicos,  aproveitando também a colaboração e informações fornecidas pela França,  são utilizados para bombardear Syrte e exterminar toda a família de  Kadafi.
6. Não menos bárbara que a guerra foi a  campanha de desinformação. Sem o menor sentimento de pudor, a OTAN  martelou sistematicamente a mentira segundo a qual suas operações  guerreiras não visavam senão a protecção dos civis! E a imprensa, a  "livre" imprensa ocidental? Ela, em certo momento, publicou com  ostentação a "notícia" segundo a qual Kadafi enchia seus soldados de  viagra de modo a que eles pudessem mais facilmente cometer violações em  massa. Como esta "notícia" caiu rapidamente no ridículo, surge então uma  outra "nova" segundo a qual os soldados líbios atiram sobre as  crianças. Nenhuma prova é fornecida, não se encontra nenhuma referência a  datas e lugares determinados, nenhuma remessa a tal ou tal fonte: o  importante é criminalizar o inimigo a liquidar.
7. Mussolini no seu tempo apresentava a  agressão fascista contra a Etiópia como uma campanha para libertar este  país da chaga da escravidão; hoje a OTAN apresenta a sua agressão contra  a Líbia como uma campanha para a difusão da democracia. No seu tempo  Mussolini não cessava de trovejar contra o imperador etíope Hailé  Sélassié chamando-o "Negus dos negreiros"; hoje a OTAN exprime seu  desprezo por Kadafi chamando-o "ditador". Assim como a natureza  belicista do imperialismo não muda, também as suas técnicas de  manipulação revelam elementos significativos de continuidade. Para  clarificar quem hoje realmente exerce a ditadura a nível planetário, ao  invés de citar Marx ou Lénine quero citar Emmanuel Kant. Num texto de  1798 (O conflito das faculdades), ele escreve: "O que é um monarca  absoluto? Aquele que, quando comanda: 'a guerra deve fazer-se', a guerra  seguia-se efectivamente". Argumentando deste modo, Kant tomava como  alvo em particular a Inglaterra do seu tempo, sem se deixar enganar pela  forma "liberal" daquele país. É uma lição de que devemos tirar  proveito: os "monarcas absolutos" da nossa época, os tiranos e ditadores  planetários da nossa época têm assento em Washington, em Bruxelas e nas  mais importantes capitais ocidentais.
Domenico Losurdo Fonte: PCB
 
 
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