Pedro Estevam da Rocha Pomar* 
Aos desavisados, pode ter parecido que a  aprovação do PL 7.376/2010 pela Câmara dos Deputados, na noite de 21 de  setembro, foi uma vitória da democracia. Afinal de contas, o projeto  impôs uma derrota aos setores de extrema-direita representados por  parlamentares como o ex-capitão Jair Bolsonaro. Afinal de contas, dirão  os otimistas, conseguiu-se criar a Comissão Nacional da Verdade, antiga  reivindicação de ex-presos políticos e de familiares de desaparecidos  políticos.
Ocorre que a Comissão Nacional da  Verdade — na configuração em que foi aprovada e caso o Senado mantenha  inalterado o texto do projeto — tende a resultar em mero embuste, um  simulacro de investigação, tais as limitações que lhe foram impostas.  Será preciso enorme pressão dos movimentos sociais para que ela  represente qualquer avanço em relação ao que já se sabe dos crimes  cometidos pela Ditadura Militar, e, particularmente, para que obtenha  qualquer progresso em matéria de punição dos autores intelectuais e  materiais das atrocidades praticadas pelos órgãos de repressão política.
A verdade pura e simples é que o acordo  mediante o qual o governo aceitou emendas do DEM, do PSDB e até do PPS,  mas rejeitou sem apelação e sem remorsos as diversas emendas propostas  pela esquerda e pelos movimentos sociais, é a renovação da transição  conservadora de Tancredo Neves. O acordo que selou a “conciliação  nacional”, celebrado nos estertores da Ditadura entre o líder do  conservadorismo civil e a cúpula militar, foi preservado por Lula e  acaba de ser repaginado e remoçado por Dilma Roussef. Os militares são  intocáveis, não importa que crimes tenham cometido, e seus financiadores  e ideólogos civis idem.
Não foi por outra razão que o líder do  DEM, deputado ACM Neto, subiu à tribuna ao final da sessão, minutos  antes da votação decisiva, para elogiar “a boa fé e o espírito público”  da presidenta da República. “O Democratas está pronto para votar, pronto  para dizer sim à História do Brasil”, acrescentou gloriosamente. O  deputado Duarte Nogueira, líder do PSDB, também comportou-se à altura da  ocasião. Depois que o líder do governo, deputado Candido Vaccarezza,  dispôs-se a incorporar uma emenda conjunta da deputada Luiza Erundina e  do PSOL, Nogueira elegantemente pediu a palavra para objetar e declarar  inaceitável o seu teor. Foi o que bastou para o líder do governo  imediatamente recuar.
Muito sintomático do tipo de acordo que  se arquitetou, e do papel que se pretende reservar à Comissão Nacional  da Verdade, foram as repetidas homenagens que ACM Neto, Vaccarezza e até  o líder do PT, deputado Paulo Teixeira, prestaram ao ex-ministro Nelson  Jobim e ao seu assessor José Genoíno. Estes dois personagens foram os  leva-e-traz dos altos comandos das Forças Armadas nas “negociações”  entre estas e o governo ao qual deveriam prestar obediência. O líder do  governo foi mais longe em suas demonstrações de subserviência e chegou a  agradecer expressamente aos comandantes militares.
Na tribuna, o deputado Paulo Teixeira  fraudou a história ao declarar que, “como todos sabem”, as violações  ditatoriais “foram praticadas entre 1968 e 1980”! Portanto, não houve  golpe militar nem qualquer atrocidade entre 1964 e 1968. Gregório  Bezerra não foi arrastado seminu pelas ruas de Recife. Os militantes das  ligas camponesas não foram executados pela repressão. Comunistas não  foram presos e torturados na Bahia. O tenente-coronel aviador Alfeu de  Alcântara Monteiro não foi assassinado na Base Aérea de Canoas, e o  sargento Manoel Raimundo Soares não foi atirado, de mãos amarradas, nas  águas do Guaíba. Nada disso. E, para arrematar, o líder do PT citou a  boa tese de Tancredo: a “conciliação nacional”, a ser propiciada pela  Comissão Nacional da Verdade.
O setor da esquerda que embarcou no  acordo para manter viva a Ditadura acredita piamente que não é possível,  nem desejável, avançar um milímetro em punições, porque a correlação de  forças está dada, ad eternum, desde a transição. Nisso, consegue  apequenar-se perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que, ao  julgar o caso da Guerrilha do Araguaia, decretou que “as disposições da  Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves  violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção  Americana, carecem de efeitos jurídicos” e que “são inadmissíveis as  disposições de anistias, as disposições de prescrição e o  estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam  impedir a investigação e punição dos responsáveis por graves violações  dos direitos humanos, como tortura, as execuções sumárias,  extrajudiciárias ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados”.
Mas qual será mesmo a finalidade da  Comissão Nacional da Verdade, se contar com apenas sete membros, alguns  dos quais poderão ser até militares; se não dispuser de autonomia  financeira; se tiver de investigar quatro décadas em apenas dois anos;  se for sujeita ao sigilo; e, finalmente, se não puder remeter suas  conclusões ao Ministério Público e à Justiça, para que os autores dos  crimes e atrocidades cometidos pela Ditadura Militar sejam julgados e  processados na forma da lei?
A resposta é uma só. Na visão desse  setor que envergonha a memória dos heróis tombados na luta contra a  Ditadura, ela foi assim enunciada pelo ex-ministro Nilmário Miranda: “O  objetivo principal da Comissão da Verdade é produzir um relatório que  seja base para os currículos escolares. Essa que é a grande novidade,  nunca tivemos isso na história do Brasil”.
Fonte: PCB 
 

 
Nenhum comentário:
Postar um comentário